A imagem era assustadora e jamais vai ser esquecida. Senna imóvel dentro do carro semidestruído, com o icônico capacete verde e amarelo pendendo para o lado esquerdo. Os bombeiros chegaram rapidamente, mas, como não havia a ameaça do fogo, aguardaram os médicos para tocar em Senna. A equipe de socorristas começou os trabalhos um minuto e quarenta segundos após a batida e levou ainda algum tempo para retirar o piloto do carro. Não se ouvia ruído das arquibancadas.
Ainda na pista, os médicos realizaram uma traqueostomia para que Senna, em parada repiratória, voltasse à vida. Era horrível perceber que havia muito sangue no chão. Os socorristas foram obrigados a fazer a primeira transfusão ali mesmo. Depois de 17 minutos, Senna foi levado de helicóptero para o hospital na cidade de Bolonha. Àquela altura, quem era de rezar, rezava. Quem era de chorar, estava aos prantos. Ninguém sabia o que aconteceria com um dos maiores ídolos do esporte brasileiro
Senna sempre foi um piloto de alto nível técnico, mas que corria com o coração. Era um paulistano de família rica em um esporte aristocrático, mas a emoção que demonstrava em cada vitória ou derrota cativava o povo. Com ele, o automobilismo parecia um esporte mais brasileiro. A gente se habituou a torcer pra ver nosso tricampeão voando baixo e estourando champanhe. Mas, naquele domingo, dia 1º de maio de 1994, há 30 anos, só queríamos que Ayrton abrisse os olhos. Que ele sobrevivesse.
Não era justo. Senna foi um dos pilotos mais preocupados com a segurança na Fórmula 1. Na véspera da prova, chocado com a morte trágica de Roland Ratzenberger no treino de qualificação, ele não quis nem falar com a imprensa, fazendo do silêncio um protesto. Dos dias antes, em sua última entrevista, à TV italiana RAI, o atleta estava chocado com o acidente de Rubens Barichello. O piloto da Jordan saiu apenas com o nariz quebrado, mas sua colisão era uma evidência do perigo no circuito italiano.
“Consegui o melhor tempo, mas isso não quer dizer que tudo está bem. Está ruim para todos nesta pista. Há muito vento e sujeira no circuito, o que dificulta muito o trabalho do piloto. Os carros estão imprevisíveis”, disse o tricampeão mundial na conversa com a emissora estatal italiana.
De acordo com o repórter Celso Itiberê, especialista em Fórmula 1, Senna chegou aos boxes no dia da prova parecendo outra pessoa. Aquele piloto “que antes de sair para o grid chega aos boxes cheio de energia, mexendo com os mecânicos, ontem não estava em Imola”, escreveu Itiberê na edição do GLOBO no dia seguinte. Naquele domingo, continuou o jornalista, Ayrton era “um homem de 34 anos sisudo e reflexivo”, com a expressão de quem sabia que a prova não seria como as outras.
Antes da disputa, Senna fez algo inédito. Apoiou as mãos no aerofólio traseiro, olhando para o carro, e ficou imóvel. Um funcionário do autódromo pediu autógrafo, e ele apenas balançou a cabeça dizendo “não”. Olhava fixamente, mas voltado para dentro. O projetista Patrick Head disse alguma coisa, ele o fitou rapidamente e voltou à posição anterior, até que, finalmente, lançou o olhar a todas as partes do carro, lentamente. Parecia saber que precisaria de algo além de sua perícia para superar a corrida.
Depois, vestiu balaclava, capacete e, sem dizer nada, postou-se ao lado do cockpit, onde um mecânico fazia peso para que os outros apertassem as rodas. Entrou e colocou o cinto. Não era o piloto animado de outros dias. Pediu que acionassem o motor e saiu para a pista, a fim de alinhar o carro. E fez outra coisa diferente, segundo Itiberê. Ele, normalmente, dava duas voltas antes de levar o carro ao grid, “para ter os pneus aquecidos e verificar se tudo estava funcionando”. Naquele domingo, foram três voltas.
A má fama de Ímola não começara naquele fim de semana. O próprio Senna escapara da morte em 1989, quando testava o McLaren, sua escuderia na época. Na ocasião, seu carro se incendiou e rodou duas vezes, logo após a saída da Curva Tosa. “Eu vi o inferno de perto”, disse ele. No mesmo ano, na Curva Tamburello, o austríaco Gerhard Berger quase morreu, quando se chocou com seu Ferrari contra o muro de proteção e foi envolto pelas chamas, após uma explosão no carro.
Dois anos antes, o brasileiro Nelson Piquet sofreu traumatismo craniano ao bater na mesma curva, que também foi o local de um acidente que quase matou o italiano Ricardo Patrese, em 1992.
Devido ao histórico, mas principalmente depois dos dois acidentes que tinham ocorrido no fim de semana, Senna disse que não queria correr. Ele falou isso ao telefone com a então namorada, Adriane Galisteu, que estava na casa do piloto no Algarve, em Portugal, esperando para encontrá-lo depois da prova na Itália. Na manhã da disputa, Ayrton se reuniu com colegas de Fórmula 1 determinado a recriar a antiga Comissão de Segurança dos Pilotos, para aprimorar a segurança na modalidade.
Na largada do GP de Ímola, a Benetton de J.J. Lehto ficou parada. O português Pedro Lamy não pôde desviar e se chocou contra o carro. O veículo de Lamy se arrastou, atravessou a pista e bateu contra o muro de proteção. Nenhum dos pilotos saiu ferido, mas destroços dos carros voaram em direção às arquibancadas. Quatro torcedores ficaram feridos. O acidente obrigou a entrada do “safety car”, que manteve os pilotos nas mesmas posições durante as seis primeiras voltas da corrida.
Na sexta volta, a corrida foi reiniciada, e na abertura da sétima volta, Senna já pisava fundo, abrindo distância de Schumacher. Na volta seguinte, o brasileiro entrou na Curva Tamburello a 300km/h e se chocou contra o muro de concreto. A telemetria mostrou que, após a perda de controle do carro, a velocidade caiu para 200km/h em uma fração de segundo. Depois do choque, já com o carro parado, a cabeça do piloto ainda se moveu levemente, alimentando esperança em que assistia pela TV.
Mas, não. O tricampeão mundial foi tirado do Williams pela equipe do renomado cirurgião Sid Watkins, chefe do grupo médico da corrida italiana. O profissioal descreveria aquele momento em seu livro “A vida no limite”, publicado em 1996: “”Fizemos um suporte para o pescoço e removemos seu capacete. Ele parecia sereno”, diz ele na obra. “Levantei suas pálpebras e estava claro nas pupilas que havia uma grande lesão cerebral. Levantamos o piloto do cockpit e o deitamos no chão. Quando fizemos isso, ele suspirou e, embora eu seja totalmente agnóstico, senti sua alma partindo naquele momento.”
O coração de Ayton parou de bater às 13h40m (horário de Brasília) do dia 1º de maio de 1994, depois de o piloto receber a extrema-unção do padre Amadeo Zuffo, da paróquia de Imola, levado ao Hospital Maggiore de Bolonha por um jornalista italiano, Piergiorgio Massori, torcedor fanático do brasileiro. O tricampeão, porém, havia sido considerado morto às 13h, após um exame de eletroencefalograma mostrar que não havia respostas elétricas no cérebro do atleta. Em outras palavras, àquela altura, o teimoso coração de Senna ainda insistia, mas estava constatada a morte cerebral.
De acordo com a equipe médica, a cabeça do piloto sofreu vários traumas gerados pelo impacto. Um dos piores ferimentos aconteceu porque, com a batida, um pedaço da barra de suspensão dianteira direita se partiu e foi lançada na direção do brasileiro, perfurando o capacete e penetrando o crânio de Senna acima do seu olho direito, danificando de forma irreversível o lobo frontal do piloto. Exames mostraram que, tivesse o atleta sobrevivido, ele ficaria em estado vegetativo.
Uma investigação constatou que um dos motivos para o acidente foi a quebra da coluna de direção do FW16 de Ayrton. O trabalho indicou uma solda mal feita durante uma alteração feita pela Williams. Seis pessoas foram denunciadas, entre elas o próprio Frank Williams, fundador da escuderia. Todos foram absolvidos, mas, em 2007, a Suprema Corte da Itália condenou por homicídio culposo o projetista Patrick Head. O inglês, entetanto, não cumpriu pena porque o caso já estava prescrito.